Em março de 1995, o físico Juan Pablo Negret assumiu o microfone em uma sala escura de uma universidade da Colômbia. Colocou uma transparência no projetor.
Na tela, apareceu a imagem de um artigo publicado poucos dias antes pela colaboração experimental DZero. Foi o anúncio da codescoberta de uma nova partícula fundamental, o quark top.
Juan havia sublinhado em vermelho o primeiro item da lista de instituições participantes: “Universidad de los Andes, Bogotá, Colômbia”.
“Aqui vocês vêm parte dos autores deste artigo e parte das instituições participantes”, disse. “Não vou entrar em detalhes. Só queria mencionar que, por razões meramente alfabéticas, a Universidade dos Andes está em primeiro lugar.” Sorriu, e a plateia riu logo em seguida.
Substituiu a primeira transparência por outra, uma fotografia da entrada do prédio principal do Laboratório do Acelerador de Partículas Fermi. Havia uma fileira de mastros com bandeiras que exibiam as cores das nações representadas no centro de pesquisa. Na região central da imagem, entre as bandeiras do Canadá e da Alemanha, havia um conjunto de listras amarelas, azuis e vermelhas, facilmente reconhecidas pelas pessoas na sala.
Na década de 1980, o diretor do Fermilab, Leon Lederman, convidou físicos de toda a América Latina para participar de pesquisas experimentais em física de partículas no laboratório norte-americano.
Não foi fácil para Juan trazer a Colômbia para esse grupo, nem incluir seu nome e o da instituição nos créditos da descoberta revolucionária dos quarks top. Mas, com perseverança, conseguiu convencer o Fermilab a dar uma chance à Colômbia.
Inspiração em teóricos estrangeiros
Para alcançar os físicos latino-americanos, Leon inspirou-se em outra empreitada de cooperação científica internacional que deu certo. Em 1960, Abdus Salam, físico paquistanês e futuro ganhador do Nobel, então com 34 anos, propôs a criação de um instituto de física teórica aberto a cientistas de todo o mundo. Três anos depois, inaugurou o Centro Internacional de Física Teórica em Trieste, na Itália, como diretor fundador.
O instituto, que se concentra em apoiar estudos e pesquisas avançados em países em desenvolvimento, estabeleceu-se rapidamente como fonte inestimável de contribuições teóricas para a cosmologia e a física de altas energias.
Leon achava que o Fermilab poderia acolher uma colaboração semelhante, mas voltada para pesquisas em física experimental. Ele achava que as instituições de pesquisa latino-americanas seriam parceiras ideais para o projeto.
Naquela época, instituições de física da América Latina trabalhavam em física teórica de partículas, mas poucos físicos nessas instituições estavam envolvidos em experimentos. Leon estava confiante de que fazer incursões nas universidades, inicialmente no Brasil e no México, estimularia o interesse em uma parceria com o Fermilab e pediu ao diretor assistente do laborátorio, Roy Rubinstein, que o ajudasse a desenvolver esses relacionamentos.
Em 1982, Lederman foi a Cocoyoc, no México, para aquele que seria o primeiro de vários simpósios pan-americanos de física experimental. No ano seguinte, participou do segundo simpósio, no Rio de Janeiro. Em cada uma de suas viagens, ele fazia um apelo para que os físicos latino-americanos fossem conhecer o Fermilab.
Na década seguinte, o Fermilab obteve subvenções da Fundação Nacional de Ciência e do Departamento de Energia dos EUA para a compra de suprimentos e materiais para bibliotecas de universidades e instituições de pesquisa na América Latina interessadas em iniciar novos grupos de física experimental. Além dos simpósios pan-americanos, Roy e cientistas latino-americanos organizaram conferências e seminários para ampliar ainda mais a presença da física experimental de partículas na região.
À medida que o interesse aumentava, físicos de toda a América Latina passaram a aceitar a oferta de Lederman para receber apoio e migrar da física teórica para a física experimental.
“Leon Lederman morreu em 2018, mas o legado do programa que ele iniciou permanece para os físicos que foram diretamente influenciados por ele”, diz Roy. “Lembro-me de pessoas que estavam cursando doutorado em países latino-americanos no início dos anos 80 e que agora estão liderando grupos de pesquisa. Além disso, atualmente, há grupos de física de partículas de nível mundial em vários desses países.”
Uma pioneira argentina
Cecilia Gerber, física de altas energias da Universidade de Illinois, em Chicago, foi uma das primeiras estudantes a chegar da Argentina ao Fermilab.
No início dos anos 90, tinha acabado de concluir seu trabalho de pós-graduação na Universidade de Buenos Aires e procurava uma instituição para fazer seu doutorado. “A Argentina estava passando por uma de suas crises econômicas na época e, portanto, não havia oportunidades de bolsas de estudos naquele ano”, diz Cecilia.
Mas Roy Rubinstein entrou em contato com um dos mentores dela, um professor de física de altas energias, para falar sobre o programa do Fermilab. Cecília estaria no Fermilab um ano depois.
Cecilia Gerber diz que, em linhas gerais, o Fermilab permitia que os estudantes visitantes escolhessem onde focar suas contribuições. Dessa forma, ela passou as primeiras semanas conversando com várias pessoas e conhecendo a instituição.
Por fim, ela acabou integrando o experimento DZero, onde estudou os bósons W e Z, usando o detector de múons do experimento. “Ela [a pesquisa] foi muito inovadora: estávamos medindo as propriedades daquelas partículas, que tinham sido descobertas há menos de uma década, mas usando um novo acelerador em uma nova energia”, explica.
Embora houvesse outros estudantes latino-americanos no Fermilab naquele período, Cecilia e seu marido, Victor Daniel Elvira (hoje cientista do Fermilab), eram os únicos argentinos. Por terem estudado inglês britânico na escola, eles tiveram alguns problemas com as expressões do inglês norte-americano, segundo Cecilia. "Coisas básicas, como ‘E aí, beleza?’, eram algo que nunca tínhamos ouvido antes", ela comenta. “Éramos reprovados nos testes de segurança só porque não conseguimos entender os termos usados”.
Além disso, acharam difícil explicar a formação deles para os novos colegas, relata Cecilia. "Quando chegamos aqui, não sabíamos explicar que tínhamos mestrado e estávamos fazendo doutorado. Os sistemas educacionais eram muito diferentes. Tínhamos estudado teoria quântica, mas não tínhamos formação experimental além do laboratório de física nuclear."
“Como havia pouco apoio institucional em Buenos Aires, contávamos essencialmente com a bondade das pessoas no Fermilab para nos ajudar em nossas novas carreiras fora de casa”, relembra. “Foi difícil, mas ganhamos muito mais independência do que um aluno comum teria, o que, em retrospectiva, acabou sendo uma oportunidade maravilhosa.”
Com o auxílio de consultores norte-americanos, Cecilia Gerber e Daniel Elvira escreveram suas teses de doutorado em inglês. Contudo, para defendê-las na Argentina, tiveram que reescrevê-las em espanhol.
Cecilia, que agora trabalha no experimento CMS, no Grande Colisor de Hádrons, da Organização Europeia para a Pesquisa Nuclear, passou a orientar gerações subsequentes de estudantes argentinos em visita ao Fermilab como parte do programa, ajudando a reduzir parcialmente a lacuna de comunicação que ela, com tanto esforço, transpôs enquanto estudante.
Uma nova geração do Brasil
Hélio da Motta Filho estava terminando sua graduação na Universidade Federal do Rio de Janeiro, em meados dos anos 80, quando a primeira leva de cientistas brasileiros estava voltando do Fermilab. Os físicos de partículas experimentais recém-formados fundaram um grupo de pesquisa no Brasil, e Hélio conseguiu ser um dos integrantes. Em 1986, viajou para o Fermilab juntamente com a primeira geração de estudantes brasileiros de pós-graduação na instituição. Seus estudos se concentraram no quark charm.
“Trabalhar com a física de última geração no Fermilab foi emocionante”, diz Hélio Motta. “Foi um desafio, é claro. Teria sido muito mais confortável ficar no Rio e ter aulas de física teórica.”
Mas Hélio descobriu que a física experimental era sua praia. “Quando fui ao Fermilab e conheci a física experimental, tomei uma decisão para o resto da vida”, comenta.
O físico mexicano Alberto Sanchez Hernandez teve uma experiência semelhante ao fazer parte da segunda geração de estudantes mexicanos que vieram para o Fermilab.
Alberto ingressou no programa em 1993 e trabalhou no experimento DZero até 1997. “É claro que aceitei ir”, comenta. “Para nós, [a física de altas energias] era uma área de pesquisa completamente nova.”
Mas me mudar para Batavia, em Illinois, principalmente no meio do inverno, apresentou outros desafios além da nova área de pesquisa, explica. “Era fevereiro e estava nevando. Foi a primeira vez que vi a neve”, relata. “Eu não tinha roupa para aquele clima!”
Comprou várias blusas de frio e foi estudar o quark b.
Hoje, Hélio Motta trabalha no Centro Brasileiro de Pesquisas Físicas, e Alberto Sanchez, no Centro de Pesquisa e Estudos Avançados do Instituto Politécnico Nacional, na Cidade do México.
Colômbia se junta à equipe
Em 1980, Juan Negret conheceu Abdus Salam e Leon Lederman no Fermilab. Na época, Juan era doutorando na Universidade Purdue, em Indiana, e queria incluir seu país em pesquisas experimentais em física de partículas.
“Eu perguntei ao Leon: e a Colômbia?”, relembra Juan.
Leon Lederman não achava que a Colômbia estivesse pronta para participar do programa, mas Juan foi insistente. Finalmente, conseguiu convencer Leon a apresentá-lo a Roy. Em 1986, os dois formaram uma parceria entre o Fermilab e o Centro Internacional de Física em Bogotá.
Juan retornou à Colômbia em 1989 e fundou um novo grupo de física de altas energias na Universidade dos Andes. A colaboração regional pioneira em física de altas energias acabou se tornando uma das mais proeminentes da América Latina. Foi uma das três instituições latino-americanas mencionadas no artigo da colaboração DZero que anunciou a descoberta do quark top.
Em 31 de março de 1995, os jornais colombianos puseram no ar uma reportagem sobre o quark top, chamando-o de “a descoberta mais importante dos últimos anos”.
“Mas o mais surpreendente”, disse o apresentador, “é que um grupo de colombianos participou diretamente dessa descoberta”.
“A Colômbia faz parte da humanidade”, disse Juan no noticiário. “Faz parte da aventura da aventura do espírito humano. Faz parte da cultura.”
De volta ao Fermilab, o grupo de bandeiras das instituições participantes cresceu e passou a incluir a Argentina, o Brasil, o Chile, a Colômbia, o Equador, o México e o Peru. Atualmente, o laboratório colabora com cientistas de mais de 50 países de todo o mundo.