No 12º andar do Wilson Hall, o comprido edifício central do Laboratório Nacional Fermi, localizado nos arredores de Chicago, ficam os escritórios e as estações de trabalho ocupados por membros do projeto MINERvA.
O experimento MINERvA – que estuda como as partículas conhecidas como neutrinos e seus pares de antimatéria, os antineutrinos, interagem com diferentes tipos de materiais – finalizou a etapa de coleta de dados no final de fevereiro. Mas ainda há análises a concluir.
A área é bastante tranquila, mas, ocasionalmente, uma conversa se prolonga no corredor; às vezes, em inglês; às vezes, em espanhol ou até português.
Cerca de um terço dos cientistas que participaram do experimento desde seu início, em 2002, veio de países da América Latina. Entre as instituições participantes, estão a Pontifícia Universidade Católica do Peru (PUCP); a Universidade Nacional de Engenharia do Peru; a Universidade Técnica Federico Santa Maria, no Chile; a Universidade de Guanajuato, no México; e o Centro Brasileiro de Pesquisa Físicas (CBPF). O Centro de Pesquisa e Estudos Avançados do Instituto Politécnico Nacional (CINVESTAV), no México, também formalizou sua entrada no MINERvA recentemente. Mais de 45 estudantes dessas instituições receberam ou estão para receber um título de pós-graduação relacionado ao experimento – e alguns até conseguiram mais de um.
A composição do experimento é, de certa forma, a continuação de um trabalho iniciado por Leon Lederman, ex-diretor do Fermilab e prêmio Nobel, de buscar físicos da América Latina. A maioria dos físicos latino-americanos que chegaram ao Fermilab na década de 1970 trabalhou em experimentos em linhas especializadas de feixes de partículas dos aceleradores ou no colisor de partículas do laboratório, o Tévatron. Embora muitos deles tenham se voltado para experimentos semelhantes no Grande Colisor de Hádrons, da Organização Europeia para a Pesquisa Nuclear, o Fermilab continua recebendo as novas gerações de cientistas latinos, muitos deles para o estudo dos neutrinos.
O grande contingente de cientistas da região no experimento de neutrinos do MINERvA adicionou um componente bilíngue à comunicação no Fermilab, tanto no anúncio de novos resultados quanto no diálogo com possíveis futuros físicos. E, embora o trabalho com o detector tenha chegado ao fim no MINERvA, a parceria entre as instituições latino-americanas e o Fermilab na pesquisa sobre neutrinos está só começando.
Vida nova a uma parceria antiga
Os neutrinos são as partículas de matéria mais abundantes no universo. A fusão nuclear que faz o Sol e outras estrelas brilharem é também o que produz constantemente essas partículas, assim como outros processos nucleares e subatômicos. Apesar dessa abundância, os neutrinos são difíceis de estudar porque interagem com outro tipo de matéria em casos muito raros, o que dificulta sua detecção. Cerca de 100 trilhões de neutrinos passam por cada pessoa a cada segundo, o tempo todo.
O físico Wolfgang Pauli sugeriu a existência do neutrino pela primeira vez em 1930 para explicar uma aparente anomalia em alguns tipos de decaimento nuclear. Desde então, os cientistas aprenderam muito sobre essas partículas evasivas.
Os neutrinos existem em três tipos, chamados sabores. O Prêmio Nobel de 2015 foi dividido entre dois cientistas do experimento Super-Kamiokande, no Japão, e do Observatório Sudbury de Neutrinos, no Canadá, que em 1998 e 2001 mostraram que os neutrinos têm seu sabor alterado à medida que se movem pelo universo. A descoberta gerou a surpreendente conclusão de que os neutrinos têm pelo menos uma pequena quantidade de massa – algo que não foi previsto pelo Modelo Padrão da física de partículas. Os cientistas ainda não sabem de onde vem essa massa.
Entender os neutrinos pode trazer respostas a perguntas importantes sobre a nossa galáxia e o universo. É possível que os neutrinos tenham papel essencial nas explosões de supernovas, fenômeno que ajuda a formar galáxias. Também é possível que tenham influência na composição do universo: embora o Big Bang supostamente tenha produzido uma quantidade equivalente de matéria e antimatéria, que deveriam ter aniquilado uma à outra completamente, de alguma forma existimos em um universo dominado pela matéria.
O experimento MINERvA é uma etapa intermediária, desenvolvida para responder às perguntas que os cientistas precisam fazer antes de confrontar esses grandes mistérios: o que acontece quando um neutrino interage com o núcleo massivo de um átomo? Que tecnologia os cientistas devem usar para estudar essas partículas excêntricas? O que precisam saber sobre a interação delas com diferentes tipos de materiais dentro dos detectores que podem vir a construir? Antes do MINERvA, não havia experimento focado no uso de diferentes materiais colocados sob o mesmo feixe de neutrinos para determinar os melhores modelos de como neutrinos e antineutrinos interagem com o núcleo de diversos átomos.
Jorge Morfín e Kevin McFarland, fundadores e porta-vozes do experimento, propuseram o MINERvA pela primeira vez em 2002. O experimento teve seu desenvolvimento aprovado em 2007, com o apoio do Escritório de Ciência do Departamento de Energia dos EUA.
O detector MINERvA contém uma série de chapas hexagonais feitas de diferentes materiais sólidos, além de tanques de água e hélio líquido, com cada um deles posicionado no caminho do feixe de neutrino. A parte ativa do detector é composta por um cintilador sólido. Os cientistas o construíram a cerca de 100 metros de profundidade ‒ protegidos da interferência dos raios cósmicos, que vêm do espaço ‒ no caminho dos feixes mais intensos do mundo de neutrinos do múon e seus antineutrinos.
Morfín valorizou os esforços iniciais de Lederman para formar parcerias com cientistas da América Latina e decidiu dar continuidade ao trabalho e manter esses relacionamentos. Viajando de país em país em 2005, ele recorreu aos contatos que havia feito quando trabalhou em outros experimentos no Fermilab. Aos poucos, ele convenceu um grupo de cientistas latino-americanos a participar do MINERvA e a trazer seus alunos.
O MINERvA começou a coletar dados em 2010. Durante seus nove anos de operação, o experimento mapeou completamente as interações de neutrinos com poliestireno, carbono, ferro, chumbo, água e hélio.
“Os estudantes e colaboradores latino-americanos, analisando uma série de aspectos da física, foram essenciais para determinar como os neutrinos interagem com esses núcleos”, disse Morfín. “E os benefícios são mútuos.”
Participar dessa etapa fundamental para futuras experiências com neutrinos abriu caminho para as carreiras de alunos que trabalharam no MINERvA.
José Bazo, atualmente professor adjunto da PUCP, foi um dos primeiros alunos do MINERvA. Quando ele e seus colegas ingressaram no projeto, o detector ainda estava em construção. Durante esse período, eles passaram um período de um ano realizando simulações. Essas simulações testaram diferentes modelos teóricos sobre como os neutrinos disparados contra o detector MINERvA colidiriam, dependendo da disposição do feixe.
Por terem participado do MINERvA no início, Bazo e seus colegas conseguiram moldar como o experimento seria organizado.
O MINERvA continuou a oferecer experiências basilares de aprendizado aos alunos ao longo dos anos.
Barbara Yaeggy, da Universidade Técnica Federico Santa Maria, do Chile, entrou no projeto MINERvA em 2016. Ela diz que, naquele momento, ficou impressionada. Antes do MINERvA, Yaeggy só havia trabalhado com física teórica; por isso, nunca teve que considerar as minúcias de se trabalhar com um detector real.
“Levei muito tempo para sentir certo domínio sobre o que eu estava fazendo”, diz ela. “Mas, com o tempo, você percebe que os cientistas mais experientes não esperam que você seja um especialista. Eles querem que você desenvolva ideias, seja proativa e faça perguntas.”
Difundindo a ciência
Em 2013, o MINERvA divulgou seu primeiro resultado científico – que foi um marco. Pela primeira vez, um experimento do Fermilab contou com um resumo em espanhol de seu resultado (agora, o MINERvA também tem resumos em português).
“Queríamos que o povo da América Latina e falantes de espanhol nos EUA conhecessem aspectos importantes da física no seu idioma nativo”, diz Morfín. “E a mensagem estava sendo enviada pelos estudantes latino-americanos do MINERvA.”
Esses estudantes também foram fundamentais na difusão desse trabalho nas comunidades de língua espanhola nos Estados Unidos perto do Fermilab.
Desde 2016, a cientista venezuelana do Fermilab Minerba Betancourt trabalha com uma organização chamada “Dare to Dream” (Ousar sonhar), que visa a levar meninas do ensino médio ao Fermilab para uma conferência anual latina de STEM (sigla inglesa para Ciência, Tecnologia, Engenharia e Matemática). Nessas conferências, as meninas podem conhecer profissionais de STEM, como os estudantes e cientistas do MINERvA, que contam suas experiências em sessões de perguntas e respostas, atividades práticas e um tour pelo laboratório, realizado em espanhol.
Já no tour, as meninas e seus pais, que por vezes não falam inglês, conseguem acompanhar o ritmo sem problemas, diz Betancourt, que começou a falar inglês regularmente somente depois de chegar aos Estados Unidos para a graduação. “Além disso, eles nos veem como exemplo”, diz ela sobre os pais. “Eles veem quem suas filhas podem ser no futuro.”
Betancourt vê esse momento como uma oportunidade importante para as adolescentes – e para os jovens cientistas que trabalham com elas. Os cientistas têm a chance de ensinar e praticar suas habilidades de comunicação científica.
Em 2017, o Fermilab também começou a oferecer uma versão semestral em espanhol do seu programa mensal, o “Ask a Scientist” (Pergunte ao cientista), no qual os cientistas se voluntariam para conversar com visitantes do laboratório sobre seu trabalho.
Continuando a tendência
O MINERvA não foi o único eixo de atração de pesquisadores latino-americanos para o Fermilab. Na mesma época em que Morfín começou a estreitar relações com instituições latino-americanas, buscando trabalho conjunto para o MINERvA, a teórica do Fermilab Marcela Carena, nascida na Argentina, deu início a um programa para estudantes no Departamento de Teoria do Fermilab. Desde o início do programa, 15 estudantes da Argentina, do Brasil, Chile, México e Peru se envolveram com física teórica no Fermilab.
E, apesar de o experimento MINERvA ter concluído a fase de coleta de dados, a participação latino-americana na pesquisa de neutrinos no Fermilab continua firme e forte com os detectores que compõem o programa Short Baseline Neutrino (Feixe Curto de Neutrinos, em tradução livre), ou SBN, do laboratório, sem contar o experimento internacional Deep Underground Neutrino Experiment (Experimento com Neutrinos no Subterrâneo Profundo, em tradução livre), ou DUNE, hospedado no Fermilab.
Os cientistas do SBN usarão três detectores, posicionados em pontos a 600 metros de distância da segunda fonte da linha de neutrinos do Fermilab, para estudar como os neutrinos oscilam. Os dados coletados pelo SBN ajudarão os cientistas a determinar se existem realmente mais de três tipos de neutrinos, como sugeriram alguns experimentos anteriores.
O Centro de Pesquisa e Estudos Avançados, do Instituto Politécnico Nacional do México, entrou no projeto SBN. E Betancourt diz que está convidando membros da equipe do MINERvA a participarem também. “Acho o início do experimento a parte mais emocionante”, afirma. “E o SBN começará no ano que vem.”
A construção de detectores para a SBN também ajudará os cientistas a se prepararem para o próximo experimento, que será o carro-chefe do Fermilab, o DUNE.
O DUNE estudará as propriedades dos neutrinos usando uma nova linha de luz e detectores de neutrinos do Fermilab posicionados tanto a uma curta distância, como no SBN, quanto a uma distância muito mais longa: os “detectores distantes” do DUNE ficarão a 1.300 quilômetros (cerca de 800 milhas) do laboratório, em uma antiga mina, transformada em um laboratório subterrâneo de ponta chamado Sanford Underground Research Facility (Instalação de Pesquisas Subterrâneas de Sanford, em tradução livre), em Lead, Dakota do Sul. Os quatro módulos de detectores distantes, cada um com 62 metros de comprimento e altura de um prédio de cinco andares, serão os maiores detectores de neutrinos já construídos nos Estados Unidos.
Todas as instituições da América Latina envolvidas no MINERvA já se inscreveram para participar. “O DUNE é fruto de todos esses esforços”, diz Morfín. “Hoje, há um coletivo nos países da América Latina voltado para contribuir com o que for necessário para o sucesso do DUNE.”
Talvez, entre os jovens cientistas que participam do SBN e do DUNE estejam aqueles que, no futuro, irão trabalhar para manter vivo o relacionamento entre o Fermilab e as instituições latino-americanas por gerações.