Alfredo “Fefo” Aranda estava no último ano do ensino médio em Juarez, no México, quando fez uma das descobertas mais importantes de sua vida: ao folhear um encarte da Universidade do Texas em El Paso, encontrou uma página com o título “Física" e percebeu que a matéria que ele amava na escola poderia se transformar em uma carreira.
Para o jovem Alfredo, parecia um tiro no escuro, embora a UTEP fique próxima à sua cidade natal, no outro lado da fronteira entre os EUA e o México. Ele nunca tinha visto um cientista de perto. Não tinha dinheiro e não falava inglês.
Com o incentivo do pai, resolveu arriscar. Depois de concluir sua graduação em física na UTEP em 1996, fez doutorado na William and Mary em 2001 e pós-doutorado na Universidade de Boston em 2003.
Ele ainda chama de “grande coincidência” aquele momento em que se deparou com a página “Física” no encarte da universidade.
“Fico até emocionado quando penso nisso”, diz Alfredo. "Descobri uma vida maravilhosa. Mas também estranho o pensamento de que isso poderia nunca ter acontecido."
Vice-presidente de pesquisa atual da Universidade de Colima, no México, sua principal ocupação é construir um caminho mais certo na carreira acadêmica para estudantes latino-americanos. Para isso, ele oferece oportunidades acadêmicas desafiadoras e conexões internacionais.
É um caminho seguido por ele e por muitos outros pesquisadores latino-americanos que concluíram seus estudos no exterior. “Vir de um país em que o caminho para se tornar cientista era muito circunstancial faz você pensar nos outros jovens que também podem querer fazer ciência”, diz Alfredo. “Você sente que pode ajudá-los.”
Existem muitas histórias como a dele na física de partículas e na astrofísica, não porque os pesquisadores latino-americanos são excepcionalmente generosos, segundo ele. É resultado das circunstâncias. “Se você está em um país onde o sistema educacional está praticamente definido, não apresenta problemas importantes para você e seu caminho está muito claro desde o início, você não precisa pensar em criar um novo caminho para a próxima geração. É bom que pensamos nessas coisas, mas eu preferiria que não precisássemos.”
Alfredo Aranda inaugurou o Departamento de Física e Matemática em Colima no início dos anos 2000 com outros três cientistas. Um deles foi seu amigo no ensino médio, o matemático Ricardo Saenz, que também estudou na UTEP. Os dois amigos, que se identificavam como “estudantes nerds”, se conheceram em um clube amador de astronomia em Juárez. Na faculdade, sonhavam em voltar para sua cidade natal e criar um curso de ciências, mas as circunstâncias eram muito desafiadoras.
“Depois de concluir meu doutorado, comecei a procurar universidades no México com departamentos de física, mas não gostei muito das práticas de admissão e tratamento dos alunos”, lembra Alfredo.
Foi quando ele recebeu uma ligação inesperada de Colima, de uma instituição do litoral do Oceano Pacífico sem curso de física e matemática. Um administrador que Alfredo e o grupo de jovens cientistas tinham conhecido em um curso de verão na Universidade de Cornell queria saber se eles estavam levando a sério suas ambições.
Alfredo visitou a universidade no litoral, ao sul de Puerto Vallarta, em 2001. “Era um paraíso”, relembra. Entre 2002 e 2004, Alfredo, Saenz, Paolo Amore e Andrés Pedroza se mudaram para Colima e, juntos, fundaram o novo departamento.
“Queríamos criar um programa que envolvesse mais jovens na ciência sem termos que abandonar as pesquisas, para que cada docente pudesse conduzir um trabalho científico independente”, explica Alfredo.
De fato, um sólido portfólio de pesquisas é pré-requisito para todos os novos professores do programa, além de habilidade para orientar estudantes de graduação. Todos os anos, desde 2007, uma turma de oito a dez alunos se forma e é admitida em programas de doutorado nos Estados Unidos ou na Europa, de pós-graduação no México ou em empregos na área.
Um desses alunos, Jorge Torres, de Colima, diz que se apaixonou pela ciência quando Alfredo foi à sua escola de ensino médio para dar uma palestra.
Jorge agora é doutorando na Universidade Estadual de Ohio e trabalha no Askaryan Radio Array, um experimento com neutrinos com sede no Pólo Sul. Ele diz que o que mais gostou no programa de graduação foi o foco na interação pessoal entre professores e alunos para preparar cada um para competir internacionalmente.
Ele diz que, no ensino médio, nunca imaginou que estaria onde está hoje. “Sou famoso na minha família”, conta ele com uma risada. “Meus familiares sentem minha falta, mas sabem que estou bem.”
A própria pesquisa de Alfredo conecta estudantes de colaboradores em todo o mundo. Seu trabalho se concentra na física além do Modelo Padrão, e ele é membro do Experimento Subterrâneo com Neutrinos (Deep Underground Neutrino Experiment, DUNE), organizado pelo Fermilab, que integra o Departamento de Energia dos EUA. A colaboração internacional reúne mais de 1.000 cientistas de mais de 30 países. A Universidade de Colima fez uma parceria com o DUNE para enviar estudantes para os Estados Unidos pelo período de três meses a um ano para atuar no experimento.
“Dezesseis anos atrás, não havia muitas universidades no México com programas de pesquisa nas áreas da física e da matemática”, diz Saenz. “Nosso objetivo sempre foi de que os alunos estivessem preparados para cursar pós-graduação no exterior. É muito desafiador, mas os alunos sabem desse objetivo desde o início”.
Porto Rico entra para o mapa da física de altas energias
O professor de física aposentado Angel López diz que sua carreira foi baseada em proporções iguais de sucessos, derrotas e sorte.
No ensino médio, ele leu um artigo em uma revista acadêmica sobre a partícula ômega descoberta no Laboratório Nacional de Brookhaven, o que despertou o interesse dele pela física. Acabou escolhendo física em vez de medicina para sua graduação na Universidade de Porto Rico. Foi admitido na pós-graduação de Yale, foi reprovado no primeiro ano, mas depois fez nova tentativa na Universidade de Massachusetts, onde descobriu a física experimental.
Essa reviravolta acabou levando-o ao Laboratório de Brookhaven para cursar seu doutorado, em que pesquisou uma rara deterioração da partícula káon. “Achei incrível”, relembra. “Li sobre isso no ensino médio e aqui estou eu!”
O que Angel chama de sorte, muitos outros chamariam de persistência. Depois de descobrir a física experimental, ele sabia que aquilo era sua fonte de inspiração, que ele levaria tudo isso para seu país, Porto Rico, e compartilharia com a próxima geração.
Depois de concluir seu doutorado, Angel fez pesquisas sobre energia solar em um centro federal de energia e meio ambiente, perto do campus de Mayagüez, na UPR. O programa parecia promissor durante a crise energética de 1979, mas depois que o preço do petróleo caiu e o presidente Ronald Reagan passou a comercializar energia, cortes drásticos nos financiamentos praticamente desativaram o centro.
Em 1985, Angel recebeu uma proposta de emprego na UPR. Ele quis voltar às suas pesquisas anteriores, mas o cenário parecia bastante difícil para a física experimental em Porto Rico, segundo Angel.
“Pensei: vou tentar uma coisa louca”, lembra Angel, “e escrevi para o meu ex-orientador da Universidade de Massachusetts, Michael Kreisler, para perguntar se havia alguma maneira de fazer pesquisas em física de altas energias a partir de Porto Rico”.
Michael sugeriu que Angel escrevesse para Leon Lederman, então diretor do Fermilab, que ofereceu um emprego temporário para Angel. Angel López passou os cinco anos seguintes analisando dados experimentais e construindo um novo experimento chamado E687, que exploraria a física relacionada a partículas charmosas, sob a orientação do físico Joel Butler.
Inspirando-se na colaboração feita em sua terra natal, Angel pleiteou uma concorrida subvenção do DOE e, posteriormente, uma subvenção da EPSCoR, ambas para ajudar instituições norte-americanas a realizar pesquisas e, ao mesmo tempo, desenvolver a possibilidade de se tornarem mais competitivas para a obtenção de outros financiamentos federais. Angel e a UPR Mayagüez ganharam essas duas subvenções. A subvenção da EPSCoR tinha prazo limitado e ajudou a desenvolver a infraestrutura, o que resultou na renovação contínua da subvenção por 20 anos, com financiamentos de valores cada vez mais elevados para apoiar um número crescente de estudantes pesquisadores, além de um pós-doutor e de dois outros docentes.
Quando se aposentou em 2013, Angel havia lecionado física para milhares de pessoas. Vinte e cinco de seus alunos fizeram mestrado em física de altas energias: cinco de Porto Rico e muitos outros de outros países da América Latina, como México, Peru e Colômbia. Pelo menos seis chegaram a se doutorar.
De aluno a mestre
O ex-aluno da UPR Carlos Andrés Flórez Bustos, atualmente professor associado de física na Universidade de Los Andes, na Colômbia, atribui grande parte de seu sucesso ao encontro com Angel e às oportunidades de pesquisa internacional oferecidas por seu programa.
Quando tinha 15 anos, Carlos já havia lido três vezes o livro de Stephen Hawking Uma Breve História do Tempo: Do Big Bang aos Buracos Negros. Mas ele jamais imaginaria que, tempos depois, lecionaria em uma das principais universidades da América Latina, que fica em sua cidade natal, Bogotá.
“Venho de uma família pobre e sequer tinha dinheiro para entrar no processo seletivo da faculdade”, diz ele. Saiu-se muito bem no exame nacional de física e matemática. Então, um amigo aconselhou que ele se inscrevesse para entrar em uma universidade pública. Com a ajuda de um segundo amigo, ele pagou a taxa de inscrição.
“A experiência na UPR mudou minha vida”, diz ele. “Principalmente porque conheci o professor Angel López, a quem devo muito.”
Angel o encaminhou para a Cornell University para fazer uma pesquisa em física de altas energias, durante um verão, e depois ao Fermilab para o projeto de sua dissertação de mestrado sobre o experimento CMS. Enquanto estava no Fermilab, ele conheceu um professor da Universidade de Vanderbilt, onde finalmente concluiu seu doutorado.
Angel tem orgulho de seus alunos, de suas realizações e de saber a diferença que a experiência na faculdade fez na vida dessas pessoas. "Muitos estudantes vieram para o programa de física sem saber uma palavra de inglês ou sem conhecer nada além da pequena área do país de onde vieram", relata. "Depois, chegaram a atuar em alguns dos maiores experimentos de física do mundo."
Pequenos programas para um grande futuro
Apesar dos desafios econômicos de Porto Rico, que foram intensificados pelo furacão Maria em 2017, o programa de física da UPR Mayagüez está fortalecido, de acordo com o professor que sucedeu Angel, Sudhir Malik. Sudhir conseguiu garantir o financiamento da Fundação Nacional de Ciência dos EUA para continuar as pesquisas em física de altas energias no experimento CMS. O campus também continua hospedando um cluster local de computação em grade, e outros colegas do departamento de física estão colaborando com o Fermilab em experimentos com neutrinos.
Sudhir apoia dois projetos de software, o FIRST-HEP (Estrutura de Treinamento Integrado de Software para Pesquisas em Física de Altas Energias) e o IRIS-HEP, um instituto de software voltado para o desenvolvimento da infraestrutura cibernética necessária para os desafios das pesquisas com dados intensivos esperados para a década de 2020, como, por exemplo, pelo futuro Grande Colisor de Hádrons de Alta Luminosidade do CERN
Ele também deseja ter um impacto ainda mais amplo na comunidade local, expandindo colaborações com professores de ensino médio e fortalecendo o ensino e a aprendizagem das ciências exatas e engenharias em Porto Rico. O segredo para preparar jovens cientistas para as pesquisas de hoje e de amanhã, segundo ele, é a exposição a grandes experimentos internacionais baseados em colaboração, algo que é característico dessa área.
Com 50 países envolvidos em um experimento, o foco passa a ser tudo o que conecta as pessoas envolvidas: “Você fica em um grupo muito diversificado e aprende a ouvir”, comenta. “Como eu vim da Índia, acho que precisamos trabalhar muito nesse aspecto. Você esquece suas diferenças quando o objetivo é comum.”
Embora o programa da Universidade de Colima seja muito recente, Alfredo e seus colegas estão otimistas quanto ao seu potencial impacto. Saenz diz que eles verão seus alunos ocupando posições permanentes na área acadêmica nos próximos cinco anos, mas só o tempo dirá se alguns deles voltarão para o México. Como as exigências são rigorosas, apenas 40% dos estudantes de física e matemática de Colima continuam após o primeiro ano, mas os demais alunos encontram novas oportunidades.
Mayra Cervantes, que se formou na Universidade de Colima em 2007 e concluiu seu doutorado em Purdue, considera que está aplicando muito do que aprendeu sobre física de partículas em seu atual emprego no setor de energia.
“Tive uma ótima experiência em Colima”, diz. “Os professores têm muito interesse em garantir que todos os alunos sejam bem-sucedidos, não só aqueles que se destacam. Eles usam suas conexões ao redor do mundo para criar oportunidades.”
Depois de se formar em Colima, Mayra foi para a Itália fazer cursos avançados de física de altas energias e trabalhar no experimento ATLAS. Quando voltou para o México, trabalhou no experimento HAWC antes de iniciar seu curso de doutorado, durante o qual retornou à Itália para colaborar no experimento sobre matéria escura XENON. Ao longo de sua trajetória, conheceu vários estudantes cujo objetivo era entrar para a indústria usando técnicas semelhantes para resolver problemas instigantes. Assim, ela se sentiu inspirada a fazer o mesmo.
Para Mayra, o mundo das pesquisas científicas tem uma beleza particular, que pode ser aplicada a muitas outras áreas da vida: “Os físicos se aprofundam nos problemas e os abordam de várias maneiras diferentes”.
Esse mundo está se abrindo para mais e mais estudantes, graças a cientistas como Alfredo, Angel e seus colegas. Com um pouco mais de sorte e muito trabalho, seus esforços podem levar seus alunos a um futuro mais certo