A cada seis meses, nos equinócios da primavera e do outono, uma serpente desce deslizando pela lateral da pirâmide de El Castillo, em Chichén Itzá, no México.
Bem, não é uma serpente de verdade: é uma ilusão de ótica causada pelo alinhamento perfeito do sol e a complexa arquitetura em degraus da pirâmide, uma demonstração da precisão matemática de seus arquitetos maias. A pirâmide foi originalmente construída como um templo dedicado ao deus Kukulcán (ou Quetzalcoatl), uma serpente com penas.
Para físicos e estudantes da Chicago State University e da Dominican University, é o que está dentro de El Castillo que importa. Como parte de um programa de quatro anos, físicos e arqueólogos se unirão para usar partículas que se originam no espaço sideral para estudar o interior antes outrora inacessível da antiga pirâmide.
O Projeto NAUM (Non-invasive Archaeometry Using Muons ou Non-invasive Archaeometry atraves de los Muons) explorará mistérios ainda não resolvidos no coração de El Castillo. O projeto também proporcionará experiência de pesquisa para alunos de graduação em física de duas instituições que atendem a minorias, já que o Ministério da Educação dos EUA considera a Chicago State University como uma instituição predominantemente negra e a Dominican University como uma instituição cujo público majoritário é hispânico.
Os físicos Joseph Sagerer e Edmundo Garcia-Solis começaram a discutir a ideia que se tornaria no NAUM quando ambos estavam na Universidade de Illinois, em Chicago, há 15 anos. Garcia-Solis, agora professor de física e presidente do Departamento de Estudos de Química, Física e Engenharia da CSU, sugeriu o uso de partículas chamadas múons (primos mais pesados dos elétrons) para criar imagens do interior das pirâmides do México, inspirado em seu orientador na graduação, o professor Arturo Menchaca Rocha, da Universidade Nacional Autônoma do México.
A técnica - tomografia de múons - usa múons de ocorrência natural para sondar o interior de estruturas que são impenetráveis de outra forma, semelhante à maneira como os raios X são usados para ver o interior do nosso corpo. Mas, ao contrário dos raios X usados em imagens médicas, os múons para tomografia não precisam ser fabricados; eles são criados na atmosfera da Terra quando os raios cósmicos colidem com átomos de oxigênio e nitrogênio. Isso os torna uma ferramenta prática para obtermos imagens do interior de grandes estruturas, desde vulcões e pirâmides até contentores de reatores nucleares e contêineres de transporte em fronteiras nacionais.
Quando os múons viajam através de uma estrutura, alguns são interrompidos ao longo do caminho, dependendo da espessura e densidade do material. Colocando-se detectores de múons ao redor (e às vezes dentro) de uma estrutura, os pesquisadores podem ver quantos múons atmosféricos chegam até o outro lado. Se sobrarem mais múons do que o esperado, há indícios de que pode haver um material diferente ou há menos material do que se pensava. Ou talvez até mesmo um espaço vazio; uma sala escondida, por exemplo.
Como a tomografia de múons apoia-se tanto na arqueologia quanto na física, demorou um pouco para que o projeto recebesse financiamento. Em novembro de 2020, a National Science Foundation premiou Sagerer, agora professor sênior de física na DU, e colega de Garcia-Solis, Austin Harton, professor de física e engenharia na CSU. Os grupos da DU e da CSU já recrutaram alunos da graduação para trabalhar no NAUM. Eles vão colaborar com uma equipe no México que inclui alunos da Universidade Nacional Autônoma do México, liderada por Menchaca Rocha; o arqueólogo-chefe de Chichén Itzá, José Francisco Osorio León; e o diretor da Frecuencia Cero Tecnologia para a Conservação, o arqueólogo Eduardo Pérez de Heredia.
Eles receberão ajuda do Fermi National Accelerator Laboratory (Fermilab) do Departamento de Energia dos EUA: de Mark Adams, professor emérito da UIC que agora trabalha no Fermilab, e de Sten Hansen, engenheiro elétrico recém-aposentado do Fermilab.
Por meio de um Projeto de Parceria Estratégica, o Fermilab também produzirá os cintiladores para utilização no detector de múons. As longas tiras de plástico extrudado incluem um material que se acende quando uma partícula passa. A luz é então convertida em sinais elétricos usados para registrar onde a partícula atingiu o detector. A combinação de diversas tiras como estas permite que o NAUM construa planos que registram a posição e a direção dos múons. A mesma tecnologia robusta e econômica é usada em muitos experimentos de alta energia, como o experimento atual Mu2e e o antigo DZero do Fermilab. A eletrônica de leitura para o NAUM são baseados no sistema Cosmic-Ray Veto do Mu2e.
Câmaras escondidas
El Castillo é a maior pirâmide de Chichén Itzá, uma grande cidade construída pelos maias, agora um sítio arqueológico em Yucatán, no México. Desde que o governo mexicano começou a escavá-la na década de 1930, os arqueólogos encontraram mais duas edificações abrigadas sob a estrutura externa, revelando que a pirâmide consiste, na verdade, em três edificações sucessivas.
Isso é bom para o NAUM, pois significa que eles podem testar o detector procurando subestruturas e câmaras conhecidas. Também é possível que as subestruturas tenham mais câmaras desconhecidas que os alunos possam procurar. “O detector que propomos consegue localizar variações de densidade em regiões tão pequenas quanto um metro cúbico, situado em qualquer posição dentro de uma grande estrutura”, diz Pérez de Heredia.
El Castillo também tem o tamanho ideal para o NAUM: grande o suficiente para que alguns múons sejam interrompidos pelo material, mas pequena o suficiente para que a equipe possa coletar dados suficientes em um tempo relativamente curto. O plano é mudar a posição do detector a cada período de algumas semanas para se obterem imagens de vários ângulos ao longo de um ano.
O projeto está programado para durar quatro anos no total, com os primeiros três anos dedicados à execução de simulações, desenvolvimento de software e montagem e teste do detector.
Como só precisarão viajar para Chichén Itzá para realizar o experimento no quarto ano do projeto, a equipe não prevê grandes atrasos relacionados à pandemia. “Como o detector será construído na CSU, teremos a oportunidade de ensinar técnicas aos alunos diretamente na universidade”, diz Garcia-Solis.
Além de explorar El Castillo, o NAUM pretende aumentar o número de estudantes negros e hispânicos em disciplinas e pesquisas em ciências da natureza.
É uma intervenção muito necessária. De acordo com um relatório do Instituto Americano de Física, meros 3% dos diplomas de bacharelado dos EUA foram concedidos a estudantes negros e afro-americanos em 2018; estudantes hispânicos e latinos receberam 9%. Em 2018 e 2019, menos de 1% dos doutorados em física nos Estados Unidos foram obtidos por estudantes negros e 2% foram obtidos por estudantes hispânicos.
Orelle Bulgin, estudante da Jamaica na CSU, diz que está animado com a oportunidade de fazer pesquisas práticas, finalmente. “Acho que [este projeto] é muito importante porque [as oportunidades de pesquisa] são provavelmente o que mais falta para nós na Chicago State University. Em grande parte, estamos com poucos recursos", diz ele.
Harton e Garcia-Solis geralmente levam dois alunos de graduação da CSU para o CERN todo verão. Sem essa opção por causa da pandemia, eles são gratos pela oportunidade de levar pesquisas de física para seus alunos. “Quando você tem um programa como este, você pode trazer os alunos e eles podem começar a trabalhar em todos os diferentes níveis”, diz Harton. "Com o passar do tempo, eles crescem e começam a gostar da física, e então têm uma experiência que pode ser levada para um nível mais avançado na pós-graduação."
Sagerer acrescenta: "O importante é levar até os alunos uma mentalidade em que eles entendam como eles são bons. E dar a eles a oportunidade de demonstrar isso."